Lucas Félix (Blerd World)


onerb: Quando você percebeu que precisava de um canal no YouTube?

Lucas: Vixe, essa pergunta é bem complexa de se responder por que envolve criação.
Em 2014 fiz meu primeiro cosplay na vida, do Super Choque. Ficou realmente ótimo pra uma primeira vez. Me falaram pra fazer tutorial pra colocar no youtube, mas nunca quis fazer apenas um vídeo assim e largar tudo. Porém, a ideia se manteve na minha cabeça. Ao passo que eu assistia outros canais e me tornava cada vez mais um consumidor assíduo do youtube, algumas ideias de conteúdo floresciam. E juntando essa vontade e necessidade de falar sobre personagens negros com a admiração que tenho por alguns youtubers/canais e no como eles alcançam e influenciam pessoas é que realmente decidi firmar o compromisso de começar um canal. 

onerb: Qual a importância da representatividade hoje?

Lucas: A representatividade é importante e necessária já a muito tempo. Não é de hoje que a história da população negra vem sendo reeditada conforme a conveniência. Além disso, no meio midiático, por diversas vezes houveram tentativas de excluir as pessoas negras, mesmo em tentativas conscientes pós escravidão como foi o inicio do Blackface.
Não há toa, desde o século passado há tentativas de se reverter a situação. Tivemos, por exemplo, o movimento do Blaxploitation, onde Hollywood foi forçada a engolir filmes com atores e diretores negros e negras onde o papel principal recaia justamente sobre o personagem negro.
Nos dias atuais, porém, muita coisa ainda deve ser repensada. Ainda que os negros possuem um espaço nas representações, este é pequeno e normalmente carregado de estereótipos ou exotificação.  E é por isso que é importante que a questão da representatividade seja sempre debatida, ainda mais se aproveitando da facilidade de comunicação que temos nos dias atuais. 

onerb: Quais as maiores dificuldades de se fazer um trampo independente?

Lucas: Sobrecarrego, acho que não existe outra maior do que essa. Seria muuuito mais tranquilo pra mim ter uma equipe, com alguém que editasse, alguém que cuidasse das mídias sociais, e por ai vai. Mas quando se decide dar um primeiro passo, as vezes é necessário e até melhor que seja sozinho. Me passou pela cabeça procurar alguém que se interessasse pelo projeto antes dele começar pra cuidar de algumas coisas pra aliviar um pouco pra mim. Mas, você sabe, seria extremamente perigoso que a vontade dessa pessoa fosse "fogo de palha", que sumisse do nada e eu acabasse sendo sobrecarregado do nada. Então, por hora, estou fazendo o que posso pra carregar tudo (praticamente) sozinho, na esperança de que com o crescimento do canal alguém se prontifique a me ajudar. 

onerb: Quando você se descobriu negro?

Lucas: Quando eu me descobri negro é uma pergunta muito complexa de se responder. Acho que foi ainda na infância. Ainda antes daqueles dizeres "ah, tal coisa só aconteceu comigo por que sou preto", que nós mesmos repetimos como brincadeiras, eu já olhava para caixinhas de produtos de beleza da minha mãe, que continha homens brancos padrão (e nem preciso detalhar muito só de dizer essas características físicas) e dizia: quando crescer, quero ser que nem eles. Acho que a questão do me ver negro é mais antiga do que eu consigo me lembrar por que ela sempre esteve atrelada ao sentimento de ser diferente da "maioria", ser diferente do "correto". E né, com isso vem a certeza de que "se eu fosse branco, muita coisa seria melhor". Só na universidade que eu fui ter noção de que isso, ser negro, não é algo errado, mas sim é tido como algo errado por conta de um sistema excludente centenariamente  solidificado. E isso ajudou, de certa forma. Mas muitos buracos já haviam sido feitos e ter a noção de que o problema é bastante solidificado não é, necessariamente, algo animador...

onerb: Tem algum tema que você tenha um certo receio em abordar no seu canal, por conta de uma possível reação negativa do público?!

Lucas: Há pouquíssimos dias fiquei sabendo por meio de um senhor negro que seu filho de 10 anos está acompanhando o canal, gostando e até se questionando a cerca dos heróis negros. Isso fez meu dia! No limite, eu sempre soube que era bem provável que meu canal alcançasse um público mais infantil. Mas só após esse acontecimento que eu comecei a pensar mais no quesito de possíveis restrições que eu teria que pensar para continuar alcançando esse público sem barreiras que o próprio Youtube possa colocar. Usar xingamentos mais fortes, por exemplo, está fora de cogitação agora rsrs.
Agora, tem algo que inevitavelmente eu abordarei no meu canal e que o youtube pode (e provavelmente irá) restringer: homossexualidade. É inevitável pois, primeiramente, eu sou Bi; segundo, essa demanda vai aparecer, de uma forma ou outra. É um risco necessário para produzir o que eu quero e acho importante em uma plataforma que, aparentemente, só se pinta de colorido quando conveniente...

onerb: Você tem algum apoio moral, financeiro por parte da família?

Lucas: Apoio financeiro... infelizmente, ainda não tive nenhum rs. Todos os gastos que tive do canal saíram diretamente do meu bolso, embora não tenha sido um gasto abismal. O fundo do quadro Conheça/Meet foi imprimido usando cota de impressão que tenho no curso (olha a revelação hahaha), o tripé que segura o celular é caseiro (visto no youtube aliás rs), eu que edito, eu que pesquiso... de certa forma, o Facebook já me deu uns helps nesse sentido, mesmo que não propositalmente. Em algumas situações ele deu cupões para a minha pagina fazer impulsionamentos. Usei o primeiro para impulsionar um cosplay sensacional do Pantera Negra e um mais recente para impulsionar o trailer do canal (que alias criei especialmente para isso hehe).
PS: teoricamente, minha mãe ajudou com me dando um celular mais potente. Mas ela fez isso por que queria o meu pois ele já bastava pra ela usar facebook/whats. Então, né. não foi tão proposital hahaha


onerb: E hoje chegamos ao fim de mais uma entrevista maravilhosa e o Lucas vai deixar uma mensagem pra vocês que desejam começar algum trampo independente e tem aquele medo/receio. Se inspire e SE TORNE ÚNICO, ONERB.


Lucas: Tem algumas coisas que são primordiais de se ter o mais internalizado possível quando vai começar um projeto, como um canal. 
A primeira delas é: faça! Simples assim. Só essa dica já faz com que você ignore os infinitos outros pensamentos negativos que você pode ter sobre seu projeto. Se é legal, te faz bem e não possui uma mensagem ruim para a sociedade, simplesmente faça! 
A segunda coisa seria: reconheça suas possibilidades e saiba que o resultado final, de qualquer forma, costuma ficar aquém daquilo que você idealizou. É importante saber o que você possui acesso para realizar seu projeto. Seja uma câmera, seja o seu conhecimento da causa. E, se possível for, treine. Mas não deixe que o resultado que se mostrou aquém das suas expectativas te desanime. Busque melhorar, progressivamente, sempre que possível.
A terceira coisa: reconheça-se como dono do seu próprio projeto. Parece meio óbvio, mas o lance é que você precisa entender que, nele, você faz o que quiser (e torço para não ser algo machista/racista/qualquer outra coisa do tipo rs). Mas, quando você se reconhece como dono, você consegue imprimir você no seu projeto. E o ganho com isso é que o resultado é mais natural.
A ultima coisa é: as coisas tendem a vir com o tempo, principalmente retorno financeiro. Dói falar, mas é algo que eu também custei a aceitar. Na realidade, ainda custo. É doloroso saber que, mesmo que sua ideia seja ótima e tudo o mais, você não pode contar com um retorno. No caso do canal, é até preferível que nunca conte. Eu sei, é horrível pensar isso, ainda mais por que você está fazendo algo potencialmente benéfico pra sociedade. Então, um retorno financeiro seria mais que justo. Mas, pra resumir esse ponto que já está bem extenso, o melhor que você pode fazer é não contar com isso. Faça o máximo que você pode para aumentar a qualidade e alcance do seu projeto. Mas tente fazer isso pela mensagem. Esqueça o retorno financeiro.


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