Jonas Miguel


onerb: A arte entra em sua vida de forma natural (incentivo da família, escola) ou porque motivo em especifico (desilusão, solidão, timidez)?

Jonas Miguel: A arte entra em minha vida rasgando mesmo, invadindo, exigindo de mim uma postura, nem bate à porta, sabe? E ela já se modificou tantas vezes que hoje não sei dizer o que foi natural e o que não foi. Tudo começou com crocodilos e paisagens, flores e casas, desenhos infantis de uma criança buscando conseguir dinheiro pra comprar figurinhas pros seus álbuns. Todo mundo dizia que eu desenhava flores lindas. Que eu tinha sensibilidade. Depois que minha bisavó faleceu tudo se reformulou. Tudo ficou mais nítido. Meu primeiro contato com a tristeza de perder alguém me trouxe uma intensa amizade com a arte. Eu não sei dizer quais sentimentos mais afloram em mim quando busco refúgio em pincéis, tintas, caneta e papel. É tudo muito pessoal e intuitivo: às vezes eu só quero passar o tempo, me divertir, em outros momentos eu estou profundamente triste ou contente, abismado ou cético. Não sei como se dá o retorno de processos criativos nas vidas de outros artistas, mas a arte não inibe nada em mim, ela só amplifica. Só cria extensões de mim. Eu sou muito movido por emoções. Isso tem influenciado bastante a minha arte e a minha vida. Isso diz muito sobre mim. Isso diz muito sobre o meu movimento, minha inclinação no mundo, meu papel no mundo e acima de tudo meu papel dentro de mim.


onerb: Qual a importância do seu trabalho para você? 

Jonas: Meu trabalho é meu grito, meu registro sem máscaras dos momentos que vivi e que ainda viverei, meu autorretrato. Meu momento íntimo e humano de dizer pra outra pessoa “toma, olha como se segurasse uma taça de vidro”. E tem sido assim esses dias, esses meses. Quem me conhece sabe o quanto eu me perco nas coisas que eu mesmo crio e o quanto isso tem me ajudado a me encontrar. Esse encontro é preciso. Esse encontro é menos doído quando recebo mensagens como “nossa, me identifiquei muito com isso que você fez”. Meu trabalho me salva de mim. Salva pessoas de pessoas. Meu trabalho cura.


onerb: Sua família te apoia enquanto artista, tanto financeiramente quanto emocionalmente?

Jonas: Não. Mas essa não interação me mostra que isso não é necessário. Apoio familiar muita das vezes reflete um termômetro de aprovação. E eu honestamente não exijo isso nem da minha família nem do meu público. Isso não faz parte da minha busca. Eu só quero meu espaço, fazer o que faço, e isso ninguém tem tirado de mim.


onerb: Qual processo de descoberta foi mais difícil de lidar, se ver e entender o que é ser negro no Brasil ou um LGBTTQ?

Jonas: LGBTTQ. Foi complicadíssimo pra mim. Porque antes de me ver e me reconhecer como gay no Brasil, eu precisei enfrentar isso dentro de casa. Piadas de cunho homofóbico no meu convívio familiar eu ouvia desde os 8/9 anos e isso é triste. Eu era uma criança, sabe? Aquilo de alguma forma me reprimiu. Até o dia em que eu precisei me “assumir” pra família foi complicado - com infinitas aspas, porque não tinha nada que ser assumido, não tinha nada que ser confessado porque não havia nada escondido ou proibido, era eu sendo eu e levou bastante tempo pra entender isso. A ideia de aceitação foi corrigida por mim depois de muito sofrimento porque eu não fui visto com bons olhos, eu fui obrigado a sair de casa com 16 anos porque ser gay ia contra os princípios religiosos da minha avó (numa nova adaptação: ser eu ia contra os princípios de alguém). Tudo aconteceu muito rápido e muito cedo, mas tirou tantas lições. Eu até agradeço, desejando que ninguém passe pelo que eu passei porque eu era apenas uma criança. Buscar aceitação por quê? Buscar aceitação de quem? Hoje eu anulo todas essas perguntas e a cereja do bolo foi a certeza de que ninguém teve culpa no enredo dessa história além das raízes sociais que educaram meus bisavós que educaram meus avós que educaram seus filhos até chegar em mim com 16 anos saindo de casa vítima de uma construção social homofóbica. Tem muito o que ser rompido e acho que eu estou no caminho certo.


onerb: Quais as suas referencias no meio das artes plásticas?

Jonas: Loïs Mailou Jones, Veronica Cay, Alma Thomas, Alexandra Plim, Nellie Mae Rowe, Johanna Sovik, dentre outras.


onerb: O que sua arte diz sobre você?

Jonas: Eu tenho derramado muitos sentimentos na minha arte, tenho depositado minhas expectativas, minha esperança, minha saudade, minha energia. Minha arte é minha impressão no mundo, minha respiração no mundo. Minha arte é minha história. Recordações dos anos em que vivi 30 em um só, metade em 2 e por aí vai. Minha arte é minha revolta, minha indagação. Meu coração batendo fora do peito. Um pedaço de mim dedicado ao meu público. E me conforta.


onerb: Deixe uma mensagem para inspirar pessoas negras LGBTTQ que desejam iniciar um trabalho e possuem medo/receio/baixo autoestima intelectual.

Jonas: Cuidem de vocês e tenham respeito por quem vocês são, pratiquem empatia com vocês mesmos. Produzir requer tempo, momento, sintonia com a arte e o mundo. Cada pessoa tem um pouco disso, essa singularidade de ser um artista único. Afeto, é isso que tem faltado dentro da gente. Afeto pelo nosso trabalho, nossa forma de enxergar o mundo e afeto por nossas falhas. Invistam em vocês, sem o peso de não serem aceitos, aprovados ou admirados. Somos nós que nos sustentamos na arte. Olhem com olhar de quem admira, apreciem sua arte e a arte dos seus amigos, não estamos competindo nada, não estamos buscando ser melhor, o que queremos é nosso espaço e sendo nosso ninguém toma. O momento de criar é o momento de agora: o mundo precisa da arte de vocês.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Siriricas

Alanne França